quinta-feira, 25 de junho de 2015

NÃO CHORES MAMÃE; TU NÃO DEIXAS EU SER FELIZ!

               Cada cartinha que encontro é como se fosse a cartinha da Letícia para mim!

NÃO CHORES MAMÃE; TU NÃO DEIXAS EU SER FELIZ!
Quero apenas dizer: alô, mamãe, alô papai, não chorem mais, porque fará mal a vocês e está fazendo muito mal para mim.
Estou em um lugar lindo, maravilhoso, é como num conto de fadas; há muitas crianças, meninos e meninas como eu; apenas não sei dizer onde estou; quero tranquiliza-los dizendo que estou viva, todos gostam de mim e eu gosto de todos. Somos tratados com muito carinho; voltei a estudar e também brincamos como as crianças da nossa cidade.
Sei que não voltarei para casa junto de vocês; nenhuma criança voltará. Não estamos presas, temos liberdade, mas obedecemos as ordens de uma superiora que faz o papel de nossa mãe aqui.
Não estamos em asilo, não; não vestimos roupas iguais; cada um tem suas roupas, sapatos e meias diferentes.
Se não estamos mais felizes, é porque os nossos pais choram muito e nós não podemos enxugar as lágrimas deles, não podemos acariciar seus rostos e dizer aos seus ouvidos, num sussurro: “Papai, mamãe, não chore, eu estou aqui, estou viva como antes”.
Teve festa no meu aniversário, com bolo de velinhas e tudo mais; as mães, tias e amiguinhos cantaram parabéns a você; eu chorava e ria, era uma alegria misturada com tristeza; pensava em vocês e senti muita vontade de voltar para casa naquele dia de lágrimas e risos.
No início eu tive muito medo; não podia esquecer os acontecimentos terríveis e desesperadores, vivia angustiada e tinha crises de pavor que deixava todos muito preocupados. Passei um tempo isolada das minhas amiguinhas, mas a enfermeira- mãe dormia comigo no mesmo quarto. Ela é maravilhosamente boa para mim; muitas noites eu adormecia no colo dela para depois ser colocada na cama e até hoje, quando tenho medo, ela toma da minha mão e reza comigo; então eu fico calma e adormeço.
O médico disse que, antes de vir para cá, eu tive um pesadelo terrível e fiquei traumatizada (ele explicou o significado desta palavra, mas agora não lembro mais).
O médico disse também que toda aquela história que eu contei para ele, que foi uma coisa terrível e tenho muito medo que aconteça outra vez, ele garante que foi um pesadelo. Disse-me que eu estudasse bastante e que, mais tarde, ele me ajudará a compreender o porquê daqueles horrores que sofri. Sou ainda muito criança e, se ele falar muito, eu vou me confundir.
Minha mãe-enfermeira é quem me leva ao consultório para eu conversar com o Doutor; quando ando muito assustada, temo encontrar novamente com os homens maus que me judiaram, por isso não vou sozinha a lugar nenhum.
O doutor que me trata não é moço, mas também não posso dizer que ele é velho; acho que gosto muito dele; só ainda não consigo abraça-lo nem pegar nada que ele me ofereça; fico envergonhada, mas não posso aceitar, me dá um medo por dentro, apesar de saber que ele é bom e de eu estar junto da minha amiga e mãe aqui.
Mamãe não fiques triste por eu chamar outra mulher de mãe; a minha verdadeira mãe continua sendo tu. Sabes que eu sou muito criança e preciso de alguém que me proteja, e estou longe de ti. Ela é muito boa e eu gosto dela. Ela adivinha quando estou sentindo meus temores e logo vem em meu auxilio, faz que eu tome de uma água cristalina, que até parece calmante.
Tenho medo do escuro, tenho medo da noite, não fico sozinha; tenho medo que os monstros me ataquem na calada da noite.
Minha mãe daqui diz que é o trauma do pesadelo; ela disse que vou crescer, vou ficar moça, mas posso continuar morando com ela até perder o medo de dormir sozinha. Posso até trabalhar aqui junto dela, porque há sempre muito que fazer, por ser um internato especial para crianças.
À medida que vamos crescendo, vamos para outras instituições, para completar os estudos.
Fica tranquila, mamãe, porque eu não vou sair daqui, não andarei sozinha nem me apartarei da minha mãe-enfermeira.
Não chores mamãe, tu não deixas eu ser feliz e perder o medo. Sei que não é por mal, porque tu gostas muito de mim, apenas tu não sabes que eu estou viva; tu pensas que eu morri.
Pena que tu não podes vir aqui me ver, mas não chores mais, tá, mamãe! É a tua filhinha quem te pede; vai ser bom para nós duas.
Gostaria de ir em casa para acariciar teu rosto e o rosto do papai, beijá-los e dizer: “Olhem, estou viva!” 
Aracely
Trecho do Livro:  Ah! Se eu soubesse... Volume lV
Perdoe-me Letícia! Te amo!
Mamãe

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