Há um ano era sexta-feira, na madrugada não
conseguia dormir então quebrei a regra da casa e fui até o quarto masculino, e
fui até a cama do Luiz, deitei com ele chorando e acabei dormindo um pouco, acordei
cheia de dores novamente, com os seios empedrados de leite, fomos até o hospital,
bati na porta da UTI para saber como a Letícia tinha passado a noite e saber do
exame clínico, mas, como sempre mandaram-nos esperar...Fomos até a assistente
social insistir no padre para o batizado e notamos a falta de vontade então num
instinto saímos caminhando a procura de uma igreja,pedi para as pessoas na
rua... Minha família sempre foi religiosa. Minha mãe não perde um final de semana a
igreja e quando perde pensa que cometeu um pecado grave, meu pai até hoje
guarda o quadro com a lembrança da sua primeira comunhão, minha irmã vive na
igreja. Eu já cheguei a freqüentar oficina de oração, ministrei catequese e até
curso de batizado. Fiz Primeira Comunhão, casei na igreja. Também rezo antes de
dormir (vez ou outra, caio no sono antes do Amém!), sempre tinha no pescoço uma
medalha milagrosa que já havia me dado muitas graças... Era de bijuteria, mas,
o Luiz vendo minha fé me deu de presente uma de ouro. Quando fui para a cesárea
ter a Letícia tive que tirar e pedi que o Luiz segurasse-a na hora em que
estivesse no centro cirúrgico. Minha Letícia nasceu, e eu nem me recordo se
agradeci a Deus por este milagre. Só me recordo de pedir a Ele a saúde da
pequena. Os dias se passaram, e minha fé em Deus parecia estar aumentando. Todo
o dia rezava junto à pequena, pegava-a no colo e a levava para frente da TV, era
novenas e mais novenas, já tinha até decorado os horários da benção do
santíssimo Sacramento... Eu passava horas rezando ao lado de minha pequena, desde
o primeiro dia em que fui visitá-la na incubadora rezava o santo Anjo depois em
casa eu e o Luiz colocávamos a mão em sua cabecinha e rezávamos o santo anjo.Rezava
o dia todo. Às vezes me pegava rezando sem saber o porquê, só para me acalmar. Fiz
promessas... Eu queria muito batizar a Letícia... Eu sonhava com o batizado e
uma festa, queria que fosse ao mês de outubro antes mesmo dela nascer, o Luiz
achava que era tarde, mas, depois que ela nasceu prematura, ele concordou em
batizá-la em outubro, até porque tínhamos planejado fazer o curso de batizado
no dia 19/6, ela nasceria dia 24/07, mas como ela nasceu prematura neste dia
ela estava com Dois dias de vida, então o próximo curso seria em agosto e nós
estávamos em Florianópolis...Eu lembrei que quando ela tinha dois dias e foi submetida a cirurgia foi me sugerido para batizá-la,eu disse NÃO,ela vai viver e eu vou batizá-la na igreja com uma grande festa! Mas agora ela estava com suspeita de morte cerebral então
eu precisava batizá-la. Nós caminhávamos nas ruas de Florianópolis a procura de
uma igreja e de um padre aos prantos. Lembrei da minha prima que morava em
Florianópolis e que antes de sair de casa pedi para o Luiz marcar o telefone
dela no celular, liguei e expliquei o quadro da Letícia pedi a ajuda na procura
de um padre, que me acalmou e disse que se fosse preciso iria até o fim do
mundo achar um padre. Logo me trouxe um padre e o batizado foi feito ali na UTI,
ela não estava com o vestidinho branco que eu sempre imaginei, mas, a batizamos.
Meus primos aceitaram serem seus padrinhos. Eu chorava de soluçar. Antes de ir
embora, o padre me abraçou e disse para eu acreditar em Deus e confiar nos
planos Dele. Acreditei. Acreditei em todos os momentos que ela melhoraria. Depois
do batizado uma médica veio nos contar sobre o exame clínico feito na noite
anterior que havia confirmado que a Letícia estava sem sinais cerebrais, mas,
para a confirmação, seriam necessários mais um exame clínico e dois EEG,com
intervalos de 24h cada.Minha prima nos perguntou se precisávamos de algo,logo,
o Luiz respondeu a Liliane precisa tomar um remédio para secar o leite,ela,saiu
dali e trouxe o remédio,tomei-o rapidamente,mas ,não antes de lembrar o quanto
havia me esforçado para produzir esse leite;os exercícios nos seios
recomendados pelo ginecologista desde a primeira consulta no pré natal,as rezas
para que tivesse leite o suficiente para amamentá-la,as comidas que minha mãe
me trazia e os chás,os chás de erva doce que perfumavam minha casa e que eram
tomados a toda hora...Depois veio outra médica nos relatando que a Letícia
seria transferida para a UTI neo-natal,pois ,estavam precisando daquele leito
na UTI geral e ela era a bebe mais pequena dali.Na UTI –Neo a Letícia foi
colocada num isolamento,depois entendi,ela estava praticamente morta...não era
legal ficar entre os vivos...Mas os médicos da UTI Neo eram mais
dedicados,atenciosos,o tempo de visita era maior e eu podia visitá-la
juntamente com o Luiz,na outra, só podia um de cada vez.Meus primos a partir daquele
dia nos faziam companhia todo o tempo que podiam, insistiram para que eu fosse
até seu apartamento,acabei aceitando,lá me fizeram chimarrão,fazia 49
dias(idade da Letícia) que eu não tomava uma cuia de chimarrão,para não fazer
mal a Letícia,tomei aquela cuia em lágrimas.
Minha vida...
minha vida acabou ali,
naquele instante.
Ali perdi o chão,
ali senti que não podia mais voar.
E então apartir dali já não mais vivi minha vida...
apenas sobrevivi a sua ausência...
(desconheço autoria)
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