sábado, 24 de agosto de 2013

Viveste e viverás toda a eternidade...

Oi, minha anjinha...

Tu não lerás este bilhete...

Mas tenho a certeza plena de que tomarás conhecimento do que aqui te direi.

Chegaste e te foste embora... Durou muito pouco a tua permanência entre nós.

Poderá alguém dizer, com precipitação, que viveste pouco... Teria razão, em termos meramente humanos... E não teria razão no absoluto: posto que viveste e viverás toda a eternidade...

O fato é que a alegria de tua chegada foi logo substituída pela dor de tua partida... A felicidade de tua vinda foi marcada pelo luto de tua despedida.

Valeu a pena tanto sacrifício? Valeu, Letícia, fica inteiramente tranqüila quanto a isto...

O amor não se mede em minutos ou em séculos: é grandeza que não pode ser quantificada, medida, pesada, calculada...

Por isto mesmo é que trouxeste tanto sorriso e levaste contigo tantas lágrimas...

Sabes que aprendemos contigo? Todos nós...

Porque eras esperada, a esperada... E olha, não apenas no enxoval, bordado com tanto carinho pelas mãos da mamãe...

Eras esperada em cada coração, em cada pensamento...

Provou teus pais... Em nenhum instante eles pensaram em desistir do sacrifício, da luta, dos riscos, até mesmo da vida, que o trazer-te ao mundo representava...

Tu foste e é feliz. Sim, porque nós não acreditamos na morte, senão como começo e garantia de vida sem morrer...

Não passaste pelo dissabor de não seres aceita. Pelo contrário, cada pulsar de teu coração que se formava era a alegria, a esperança, o anelo e sonho de todos que já te queriam bem, antes que nascesses.

Quem nasce das dores aceitas é assim ainda mais querida e amada.

Foi o que aconteceu contigo. As lágrimas não apagavam tua presença e até a faziam mais intensa, mais amada, mais feliz.

Sabes que, como se isso fosse possível mesmo, tu uniste ainda mais os teus pais?

Teu pai se comoveu, como pode um homem comover-se, com o heroísmo de tua mãe. Dores, agonia, sofrimento, nada a afastava da missão e do conforto de trazer-te à luz.

E tua mãe admirou ainda mais teu pai, maduro na tranqüilidade aflita com que via passarem-se as horas de angustiosa expectativa, de presságios e de pressentimentos.

E os dois se uniram. Compreendiam que vinhas do alto. Por isto aceitaram, ainda que o fizessem em pranto, que para o alto voltasses 54 dias após tua chegada.

***

 (Texto adaptado da crônica publicada pelo jornal gazeta do povo em 14 de maio de 1986. escrita pelo jornalista José Wanderley Dias)

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