domingo, 20 de janeiro de 2013

O caderninho está incompleto...


Quando Letícia nasceu prematura e fez cirurgia com dois dias de vida meu mundo foi em ruínas. Sentimentos dos mais variados tipos invadiram-me sem que eu tivesse tempo de detectá-los e dizer a mim mesma que tudo ficaria bem. Não, nem sempre as coisas ficam como gostaríamos, mas leva-se algum tempo para perceber que os fatos são como deveriam ser.
Partiu então, a ideia de escrever um tipo de diário para a Letícia. Era um modo de trazer esperança de que algum dia eu entregaria a ela aquele caderninho, ou seja, ela estaria viva para ter a oportunidade de conhecer os sentimentos da sua mãe e saber sua história com os mínimos detalhes. Foi para mim uma oportunidade de colocar meus sentimentos no papel e descobrir como lidar com eles. Escrever para a Letícia fazia com que eu não usasse minha mente de forma imprópria, não ficasse extremamente preocupada, obcecada e cheia de pensamentos ansiosos. Aprendi com isso a abandonar esses padrões. Minha mente conseguia trabalhar direito e era possível analisar os fatos. Foi uma fase bem difícil pela incerteza do futuro com ela, mas era possível de certa forma ter muito mais fé, e perceber o meu comportamento diante das circunstâncias.
Me imaginei conversando com ela aos 15 anos, a idade em que pretendia entregar-lhe aquele presente.
Era difícil discernir o que deveria ou não falar-lhe já que não tinha a intenção de falar de outras pessoas e estas faziam parte de minha vida e daquele momento primordial. Igualmente não queria parecer-lhe perfeita, já que não o sou, e nem mesmo quase perfeita. Deixei então as palavras fluírem preparando assim a minha mente para um pouco de sossego. Expressei o que sentia saudavelmente, o medo, o amor, as notícias, as consultas, a família, as orações, o dia-a-dia. Ela conheceria sua mãe como uma pessoa outra qualquer e não como a figura materna.
Assim, eu passava os intervalos entre as visitas da incubadora escrevendo, pois meu desígnio em expressar as sensações vividas naqueles dias era absurdo. Estava desprovida de palavras para expressar o excesso de emoções. Mesmo desse modo, escrevia com os recursos que me eram abundantes - sentimentos. Algumas páginas tinham borrado em lágrimas.
Enquanto ela estava em casa os dias foram se resumindo, pois ela exigia-me tempo integral o que dificultava à escrita. Na sua passagem pela UTI estávamos muito distante de casa e não me lembrei de levar o caderninho, que me fez uma falta grandiosa, pois no início queria escrever, mas, logo percebi, que não precisava mais escrever, meu objetivo era que ela lesse e ela não leria mais...
O caderninho está incompleto... Muitas páginas em branco... Ela nunca lerá...

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