segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

PEDAÇO DE MIM


 Perdendo a Letícia perdi minha perspectiva de futuro, pois tinha sonhos e projetos com ela. Perdi um pedaço de mim. Nunca havia sentido alegria maior no mundo de quando a vi e peguei-a nos braços pela primeira vez, mas não houve tristeza maior que vê-la no caixãozinho cor de rosa, com o lancinho no cabelo e a roupinha que comprei para ela usar no primeiro dia de sua vida, pronta a ser entregue a Deus. Só colocando a música "Pedaço de Mim", de Chico Buarque, para tentar entender sem nunca conseguir. Como entender que "a saudade é o revés do parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu"? É isso. O revés do parto. Dilacera a alma, não há consolo. O tempo vai apagando a dor porque as recordações mais recentes vão-se esvanecendo, e faz diferença perder o único filho ou um entre dez. E depois de sepultar um pedaço de si, a vida continua, porque os que ficaram têm que viver, e a roda têm que girar. A ferida fecha, mas a cicatriz depende das circunstâncias. Vou colar a letra da música para que os que não têm filhos saibam o quanto são importantes para seus pais, para os que têm filhos saibam não perdê-los por descuido ou acidente evitável, e para o conforto, se possível, daqueles que já tiveram a dor de ver um caixão desaparecer na terra com seu filho dentro. E pensar que, para a Vida, é só um detalhe.


PEDAÇO DE MIM
Composição: Chico Buarque

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

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